quinta-feira, 23 de junho de 2011

FATO 61: Chuva (IV)



A última gota de chuva cai sobre mim e desliza rasgando minha pele.
Depois de toda chuva, que se nota o estrago.

Já não sou criança, já não sou adolescente, já não sou adulto. Todo dia novo eu sou um velho, e minha vida inteira é passado. A cada dia novo, eu sou um bebê, que nasce junto com o sol, que morre com a lua, amarela,branca ou vermelha.

Alguns dias chovem, alguns dias não chovem. Mas em todos eles, quero me sentir molhado, quero me sentir vivo, sentir todo o ciclo do mundo passando por mim também.

E tudo a minha volta não passa de reflexos de mim mesmo nas poças d’água formadas pela chuva. Em alguns reflexos, caibo inteiro, em outros, mutilado, em outros, nem vejo que sou eu mesmo. E ando desviando das poças, mas sempre acabo pisando em um reflexo.

Os reflexos se manifestam de formas diferentes, mas seu conteúdo só depende de mim, que sou o objeto real para que existam. Sem mim, não há reflexos, não há poças, não há chuva.
Há águas que permanecerão vazias, sem eu para refletir, e eu nem ao menos vou saber que existiram, mesmo estando ao meu redor. 

Poças nascem a cada chuva. Eu nasço a cada dia. E nem todo dia tem chuva. E todos os reflexos se resguardam em mim. E eu chovo. Mas o que rasga, não é minha pele. Me rasgo por dentro.De dentro pra fora. E algumas gotas caem, sem efeitos suficientes para me refletir inteiro, mas que ainda me refletem.
Eu sinto não só a chuva de hoje, mas todas que já passaram. E o Velho, sente o que o bebê nem sabia o que era. Cada gota não é efêmera , cada gota me marca, cada gota escorre até formar  uma, duas, infinitas poças. Poças que se tornam chuva de novo, se tornam gotas de novo, se tornam eu.

E eu... Eu chovo.


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